
"À tardinha surgiram novamente os caixões e organizou-se a fila para o jantar. Devolvidos os pratos, percebi um tilintar de chaves; fui ao passadiço, vi no pavimento inferior um guarda trancando as portas; iam-se pouco a pouco dissolvendo os grupos. Os tinidos aproximaram-se, recolhi-me; um instante depois achava-me enclausurado, um livro nas garras, tentando ler à luz escassa da lâmpada. Capitão Mata se acomodava, divagando por assuntos vários. No cubículo à direita haviam-se alojado Macedo e Lauro Lago; à esquerda estavam Benjamim Snaider e Valdemar Bessa, médico, cearense, bicudo. Julguei distinguir a voz de Renato:
_ Alô! Alô! Fala a Rádio Libertadora.
Não era apenas um divertimento arranjado com o fim de matar o tempo e elevar o ânimo dos presos: vieram notícias de jornais, comentários, acerbas críticas ao governo, trechos de livros, o Hino do Brasileiro Pobre, algumas canções bastante patrióticas, sambas.
A Beatriz não vai querer cantar? Disse alguém.
Ir querer, fala estranha, feriu-me o ouvido nordestino. Palmas, aclamações, gritos exigindo o canto de Beatriz Bandeira. Um sussurro doce flutuou longe:
As granadas vêm caindo,
Incendiando meu quartel
Diabo! Havia mulheres ali. Onde se escondiam elas? Finda a queda suave das granadas, morto o agradável incêndio no quartel, vibraram aplausos vários minutos. As vozes se espaçaram, arrefeceu o entusiasmo, afinal a Rádio Libertadora encerrou o seu programa daquele dia."
(Memórias do Cárcere - Graciliano Ramos - pág. 216-217)
Nenhum comentário:
Postar um comentário